Disciplina - Geografia

Geografia

16/12/2014

Uma história da desigualdade

Por Nicolas Gunkel

Alçado ao status de celebridade em todo o mundo após a publicação do best-seller O Capital no Século XXI, o economista francês Thomas Piketty esteve na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP no dia 26 de novembro para debater suas ideias e promover a versão brasileira de sua obra. Apesar das mais de 700 páginas que versam, entre outros assuntos, sobre história econômica, o livro de Piketty tornou-se um sucesso de vendas por abordar uma questão que tem tirado o sono principalmente dos norte-americanos: a evolução da desigualdade de renda. Com louvável rigor acadêmico, os estudos do economista demonstram que, ao contrário do que se verificou entre 1940 e 1970 com o pós-guerra, a distribuição de renda voltou a piorar nas últimas décadas. Se, naquele período, a população 10% mais rica detinha cerca de um terço da riqueza, em 2013 ela respondia por mais da metade. Para Piketty, os números preocupam por sua disparidade com o índice de crescimento econômico. “Depois da guerra, se você tivesse um crescimento de 3% do PIB, todo mundo estava crescendo 3%, fossem os 10% com maior renda média, fossem os 10% com menor renda. Todos se beneficiavam, em média, da mesma forma”, defendeu. “Nas décadas mais recentes, no entanto, vimos que o quadro é bem diferente. Há um grande aumento da desigualdade.”

Em termos globais, destacou Piketty, a riqueza do grupo mais rico aumenta atualmente entre 6% e 7% ao ano, enquanto a riqueza média se eleva entre 1% e 2%. Para ele, a mobilidade social e uma pequena desigualdade são saudáveis para a economia. O problema, no entanto, é a parte mais alta da pirâmide social crescer em um ritmo mais acelerado do que as outras. “Uma desigualdade pequena pode ser boa para o crescimento, mas não a extrema. A participação da riqueza mundial concentrada na mão de bilionários está aumentando muito”, questionou.

A rica base de dados de Piketty é um dos elementos que diferenciam sua obra de outras publicadas anteriormente. Para ele, autores como Ricardo, Malthus e Marx tiveram relativo êxito ao discutir a questão da distribuição de renda, mas pecaram por “fazer muita especulação e pouca análise empírica”. “Eles tinham boa intuição a respeito do que acontecia na época, mas, às vezes, intuição não é o suficiente”, questionou. “O que é novo neste trabalho é que, pela primeira vez, a questão da desigualdade está sendo vista por uma perspectiva histórica e não apenas teórica.”

Taxação – O economista não acredita que eventuais crises financeiras ou mesmo políticas monetárias possam frear o que considera uma “tendência ascendente” das fortunas dos mais ricos. Ele explica esse cenário pela possibilidade de grandes fortunas gerarem mais fortunas, seja na forma de renda, aluguéis, dividendos ou retornos financeiros.

Para solucionar esse círculo vicioso que perpetua a desigualdade, o francês propõe uma taxação progressiva sobre a renda, a riqueza e as heranças. Ele argumenta que a desigualdade está aumentando porque o rendimento sobre o capital (imóveis, aluguéis, ações, aplicações) tem sido maior que o da renda obtida com o trabalho e superior à taxa média de expansão da economia. Como exemplo de insuficiência do atual sistema tributário, Piketty cita a taxação sobre heranças no Brasil. Enquanto, no País, a alíquota varia entre 4% e 8%, nos Estados Unidos a taxa varia entre 20% e 40%.

“Eu considero que o tributo sobre herança no Brasil é especialmente pequeno em comparação com as alíquotas dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França. Faria sentido reduzir o imposto sobre a renda do trabalho e aumentar a tributação sobre a herança. Parece-me estranho uma pessoa que tem R$ 1 milhão pagar mais impostos do que aquela que recebe a mesma quantia da sua família.”

Considerado por muitos como um crítico do sistema capitalista, Piketty rejeitou o título de “pessimista” e esclareceu que seu livro não é “apocalíptico”. “Eu acredito na globalização, acho que é um jogo de soma positiva. Precisamos apenas das políticas certas, de instituições que pensem o bem comum, investimento na educação e de uma tributação adequada para que todos possam se beneficiar dela de forma equilibrada.”

Em um breve comentário sobre a realidade do Brasil, Piketty explicou por que não se aprofundou nos estudos sobre o País em seu livro. “Peço desculpas pelo Brasil não estar mais presente, mas tivemos dificuldades em ter acesso a estatísticas de renda e dados fiscais”, ponderou. “O que importa é que, agora que o livro foi publicado, estamos avançando nesse sentido”, acrescentou.

O economista também afirmou que a desigualdade no Brasil é ainda maior do que apontam as estatísticas. “Lamento dizer que os números são subestimados, porque há uma série de problemas nas pesquisas com famílias”, disse, referindo-se à PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Segundo ele, é necessário ter acesso a dados do imposto de renda, que costumam contrastar com esse tipo de pesquisa.

Piketty ainda pediu mais transparência do poder público em relação a dados que possam auxiliar na medição da desigualdade. “O Brasil precisa de mais transparência em relação ao imposto de renda e à riqueza. A tributação progressiva talvez seja uma boa maneira de produzir informação a respeito de como os vários grupos de renda se beneficiam do crescimento”, argumentou.

Debate – Mediado pela professora de Economia da FEA Fernanda Estevan, o evento com Piketty contou com a participação dos economistas André Lara Resende, ex-presidente do BNDES, e Paulo Guedes, fundador do Banco Pactual e do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), que debateram a obra do economista francês. Segundo Fernanda, o livro de Piketty “reacendeu a discussão sobre um desenvolvimento econômico mais inclusivo e apresentou propostas interessantes para a redução da desigualdade”.

Para Lara Resende, a obra trouxe uma série de reflexões úteis não apenas para a discussão sobre a desigualdade econômica, mas também para áreas como as ciências sociais. “Ele merece os aplausos e o sucesso que teve. Fico surpreso apenas como conseguiu ser um best-seller e um livro sério ao mesmo tempo”, comentou. Ecoando os elogios do ex-presidente do BNDES, Guedes definiu a obra recém-lançada como um “clássico”. “É um clássico porque 300 anos de dados não são algo trivial. Toda pesquisa empírica precisa desse tipo de informação. É um livro que vale a pena, e muito bem escrito”, pontuou.
Esta notícia foi publicada no site espaber.uspnet.usp.br em 08 de dezembro de 2014. Todas as informações contidas são de responsabilidade do autor.
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